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RESERVAS & RETIRADAS

Por quase cem anos, uma conceituada confeitaria na cidade. Produtos de qualidade irretocável, consumidos, principalmente, por uma classe alta da capital na parada obrigatória da viagem a caminho das férias ou fim de semana na serra. Até que um dia... Construíram uma estrada que tirou o trânsito do centro, levando o Cliente direto e sem escala para seu destino. Foi o princípio. O fim, anos mais tarde, veio aos poucos, com a lenta e inexorável queda das vendas. Enquanto insistiam em produtos classe A, a renda do público passante despencava para C. Tão seguros da qualidade do que produziam, consumiram os lucros como os clientes haviam consumido pães, cucas e bolos. Sem capital para as mudanças necessárias, foi vendida a preço de pão francês.
No futebol, por permitir um limite muito pequeno de substituições, nenhum jogador gosta de ficar na reserva. Mas se não houver alguém no banco e se algum jogador tropeçar e se machucar, o time terá sua capacidade competitiva reduzida e, mesmo estando ganhando, a perda de um jogador poderá levá-lo à derrota.
Vou repetir isso de outra forma. Se não houver algum recurso no banco, como reserva, e se algum tropeço afetar suas vendas, seu negócio terá a capacidade competitiva significativamente reduzida e, mesmo dando lucro, o dano causado poderá levá-lo a fechar as portas.
Construir e manter reservas (a que interessa é a financeira, ativo corrente na linguagem de contabilista) é o único seguro efetivo que conheço para proteger a continuidade operacional de qualquer empresa. Tenha em mente que a porrada é inevitável. O imponderável é universal e totalmente socializado. Atinge todos, indiscriminadamente, apesar de distintamente.
Enquanto o capital inicial é algo mais para o ter ou não ter, capital como reserva ou reserva de capital é mais conseqüente de personalidade. Há os precavidos e os incautos. Uns mais, outros menos.  É aí que pega, porque personalidade... bem, personalidade não se muda. Você não concorda? Não vamos brigar por isso!
Construir reservas talvez seja tarefa difícil para um pequeno empreendedor. As pressões contra surgem de todos os lados. Muito freqüentemente, a par dos lucros que não existem, a mulher reclama que não aguenta mais esperar por melhores dias, os filhos reivindicam mais e mais gadgets[1] eletrônicos, o sócio quer o dele, e Você, que não é de ferro, tem seus próprios desejos: viajar, carro novo, um telão de plasma para a sala... E por aí vai. E vem o segundo problema. Manter reservas. Tentações para consumi-las surgem a todo instante, de várias fontes. Como as coisas estão indo bem - a prova é que não está fazendo uso delas -, Você relaxa nos controles, fica mais mão aberta, se dá ao luxo de trocar aqueles monitores monstruosos e horrorosos pelos modernos, de LCD, e, sem medo de ser feliz, de 19 polegadas!!! Segure seus impulsos, faça reservas de capital para aguentar trancos e saltar barrancos. Se há algo sobre o que sei, é em cair e levantar. Teria caído menos e não teria me levantado algumas vezes se reservas não tivesse feito. Entre 2001 e 2006, elas me salvaram em quatro grandes fenômenos da natureza. Natureza do mercado de agência de propaganda.
Repito, ter reservas vai ser a boia que irá salvá-lo da catástrofe não prevista, não imaginada e não anunciada. Se suas reservas são poucas, quando as vir baixando tal qual o nível da banheira depois de retirada a tampa do ralo, Desavisado vai entrar em desespero. Tente segurar água com as mãos! É exatamente isso que acontece, porque nada que Sabichão faça tem efeitos tão imediatos. A tampa insiste em não voltar ao seu lugar.
Conselho:
Construa reservas. Peça à sua mulher para controlar os desejos. Construa reservas. Diga pra seu filho que “no ano que vem...”. Construa reservas. Mande seu sócio bater em outra freguesia. Construa reservas. Diga a si mesmo: “ainda não. Construa reservas.




[1] Gadgets, palavra da língua inglesa, significa dispositivo. Termo coloquial que ganhou o significado de acessório adicionado a um dispositivo eletrônico. Exemplo: gadgets para seu tocador de MP3.



CONTROLE & FLUXO DE CAIXA
Alguém assumiu a posição de auditor em uma rede de concessionárias de carros importados. Uma de suas primeiras descobertas foi o montante de R$ 700 mil em serviços de oficina não-faturados. A razão revelada? Constrangimento em cobrar serviços executados para amigos da casa. Tomando o cuidado de consultar antes de cobrar, ouviu um dos amigos dizer que “realmente, nunca pagamos, porque nunca nos cobraram”. Cobrado num dia, pagou no seguinte.
Controlar tudo. O dinheiro que entra, o que sai, a mercadoria que chega, a entrada no estoque, as vendas do dia, do mês, do ano. De cada item. De cada setor. Controlar é básico, mas tem custo.
De acordo com o tipo de negócio e até um determinado porte, o controle parece não ter custo porque Sabichão controla tudo com seu olhar e sua mente extraordinária que tudo grava e nada esquece. Com o crescimento, Desavisado vai perdendo o controle sem perceber, até chegar o dia em que para saber seu estoque tem que fechar a loja por um ou dois dias e fazer a contagem manual de itens. E se perdeu dia de venda, o custo é visível e o prejuízo mensurável. E fica a pergunta: se nem isso consegue fazer, por que acha que vai ter sucesso?
Um sistema de controle (qualquer sistema) só é bom quando seu custo é menor que os ganhos que ele proporciona. Por isso, no início de pequenos negócios, Desavisado pode optar por não investir dinheiro em sistemas automatizados, por exemplo. Para que usar parte de seu já pequeno capital para adquirir um software de controle de loja quando ela é pequena, tudo está à sua vista e Sabichão sabe os preços (e o custo) de cor e salteado?
Controlar é, também, registrar para recuperação posterior. A tarefa de registrar é repetitiva e consome tempo, por isso precisa ser delegada. Isso não é tarefa sua. Aquele mais criterioso, que quer aprender para ensinar, é facultado ser o primeiro a fazer. Mas apenas com esse objetivo. Você custa muito caro para ficar sentado na frente de um micro digitalizando código de barra, características de produto, quantidade, custo de aquisição etc. Seu momento e importância são outros. Só Você terá capacidade de recuperar os dados registrados e dele extrair informação para tomar melhores decisões. Nisso sim, Você deve investir seu tempo!
Quando o assunto é dinheiro, as pessoas são de dois tipos: gastadoras e controladoras. Esse aspecto da personalidade é determinante da filosofia de negócios que a empresa adotará. E pode ser um ponto crítico se não houver uma correta adequação com o tipo de negócio em questão.
Na indústria, onde despesas e custos são críticos, o controlador tem mais força. Em serviços, onde agilidade é sempre fator de qualidade, ele é uma catástrofe porque emperra os processos. No comércio, onde há um comprometimento com estar constantemente investindo para satisfazer o Cliente, o gastador deve dar a última palavra. No fundo, em qualquer atividade de qualquer segmento da economia, a mistura dos dois é o ideal. A diferença vai estar na proporção.
A premissa para Desavisado perder tempo com fluxo de caixa é o uso gerencial que faz. Fluxo de caixa é instrumento de planejamento. É básico para a tomada de decisões, mas ao contrário do controle de estoque, tem base em eventos futuros. Para o passado, ou mesmo para o presente, não passa de registro histórico. Elaborar um fluxo é registrar no presente dados que Sabichão conhece porque já tomou decisões que o comprometem em data futura.
Entretanto, se Sabichão tem sócios, o fluxo de caixa ganha uma utilidade adicional. Ele é o registro do que foi feito, quando foi feito, quem fez e quanto custou. Se Desavisado está neste caso, registre todos os eventos financeiros num fluxo, concilie mensalmente com os extratos de banco e caixa e vá pra casa dormir tranqüilo porque nada mais fundamental numa sociedade do que transparência de atos e decisões.
Conselho:

Controle sempre. Desde que para ganhar, não para perder tempo e dinheiro. 



LUCRO & PREJUÍZO
Ao completar 52 anos, se viu empacotado de uma multinacional. Sem a mínima experiência como empreendedor e consciente das dificuldades para se recolocar, buscou um negócio onde aplicar parte de suas reservas. Sem dar chance a opiniões não-solicitadas, meteu-se em sociedade na factoring de um parente com a expectativa de segurança, pouco trabalho e muito lucro. Passado um ano, realmente não teve trabalho. Nem lucro. Sendo prático, realizou o prejuízo e desfez a sociedade com inevitáveis constrangimentos familiares. Dois anos mais tarde o ex-sócio e ex-parente quebrou, provando que de seguro o negócio também não tinha nada.
Qualquer negócio tem como compromisso primeiro e constante, o lucro. E não serve qualquer lucro. O que interessa é o lucro que seja melhor que o de alternativa de risco equivalente.
Para lucrar Sabichão precisa vender. Vender pode gerar lucro, mas não necessariamente. Assim, o que nos resta é estabelecer um objetivo quantitativo de vendas. Defina-o o quanto antes para tê-lo como norte para as intermináveis decisões que Desavisado terá de tomar todos os dias até que o negócio (ou Você) se acabe.
Na literatura acadêmica, lucro é a remuneração do capital. Não é que esteja errada, mas essa definição é boa para investidor no mercado de ações, mas, IMHO [1], não atende os interesses do pequeno empresário. Para os empresários do andar de baixo, lucro é a sobra de dinheiro depois de recebidos os recebíveis, quitados os compromissos (inclusos pró-labore e todos os impostos) e separados os recursos para reservas de contingência. Enquanto esta conta não der um resultado acima de zero, o que Desavisado tem é prejuízo, mesmo que o saldo do caixa, ou da conta bancária, esteja indicando o contrário.
Se Sabichão tem um passado na área financeira, está achando isso óbvio. Acontece que já vi financistas esquecerem, por conveniência, de fazer esta conta.  Não é muito fácil deixar reservas quando não se está levando nada para casa. A gente sempre encaixa uma desculpa do tipo “está tudo indo bem, não vai acontecer nenhuma surpresa” ou “no mês que vem eu faço” e não deduz a parcela de reservas, ou não faz o seguro contra roubo que o bom senso manda fazer, e assim por diante.
Enquanto o lucro é uma possibilidade futura, o prejuízo é uma certeza no início, meio e fim. É como andar de moto, se ainda não caiu, vai cair. É uma questão de tempo. Se Sabichão ainda não teve prejuízo, vai ter. O lucro sempre será a exceção à regra, sempre será eventual, mesmo que esteja durando muito. Aliás, Desavisado, cuidado! Quanto mais tempo perdura uma situação de lucro, mais próximo está de um evento catastrófico. Lei de Murphy, meu amigo.
Tudo conspira a favor do prejuízo, especialmente aquele predador que vive no mesmo meio ambiente que Você. Por essa razão empresário é uma raça que mente e chora o tempo todo. Mentir é preciso, revelar a verdade, não. Se as vendas vão mal, o bom comerciante diz que está vendendo como nunca. Com razão, não pode admitir fragilidade diante do predador. Se as vendas vão bem, tudo vai mal, “as coisas estão difíceis”, “os clientes sumiram”. Choradeira para afastar olho grande. Na prestação de serviços em geral, publicidade em particular, por pior que as coisas estejam, por mais contas que tenham sido perdidas, o teor dos releases[2] à imprensa é sempre o mesmo, só mudam os números: “este ano cresceremos 200%”, “vamos comprar uma ou duas operações below the line[3] e “conquistar três novas grandes contas”.
Conselho:
Não se iluda, a finalidade primeira dos lucros presentes é cobrir os prejuízos futuros.





[1] Sigla da expressão inglesa “In My Humble Opinion”. Significa “em minha humilde opinião”, de uso comum no tempo da “internet lascada“, quando a pessoa não queria parecer prepotente ao expor sua opinião em uma lista de discussão (ou chat, ou blog).
[2] Palavra da língua inglesa. É a notícia sobre sua própria empresa distribuída à imprensa.
[3] Expressão da língua inglesa. Na tradução literal “abaixo da linha”. Não sei o que querem dizer os patrícios que a usam, mas encontrei uma definição em “Glosario de Administrción y Marketing” no sítio www.businesscol.com: “Publicidad que realiza directamente el anunciante sin la intervención de ninguna agencia de publicidad.” Hummmm! Eu acho que a expressão não deveria ser repetida por “nosotros”.

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